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O que vivemos na infância não desaparece: muitas vezes, se transforma em padrões emocionais que carregamos por toda a vida.
Como o abandono emocional afeta a vida adulta
Nem sempre percebemos, mas muito do que vivemos hoje nos nossos relacionamentos tem raízes em histórias antigas. Quando falamos sobre abandono emocional, é importante lembrar que ele não precisa ser algo explícito ou visível. Não se trata apenas de quem foi deixado fisicamente por alguém, mas de quem cresceu se sentindo invisível, não escutado, emocionalmente sozinho mesmo estando cercado de pessoas. É esse tipo de abandono sutil, silencioso e contínuo que muitas vezes se transforma em padrões de comportamento que carregamos para a vida adulta, influenciando a forma como nos vinculamos, como confiamos e até como nos tratamos.
Durante a conversa, ficou muito evidente como o abandono emocional molda a nossa forma de ser no mundo. Muitas vezes, crescemos tentando adivinhar o que o outro quer para não sermos rejeitados. Aprendemos a nos calar, a não incomodar, a esconder as próprias emoções para manter alguma sensação de segurança. Esse esforço para ser aceito pode parecer uma estratégia de sobrevivência na infância, mas se repete na vida adulta como um ciclo de autossabotagem: nos tornamos adultos que se anulam, que têm medo de expressar o que sentem, que vivem em constante tensão com a possibilidade de não serem amados.
O impacto nos vínculos e na forma de amar
Um dos efeitos mais profundos do abandono emocional é a dificuldade em construir vínculos seguros. Muitas vezes, quem viveu esse tipo de ausência passa a oscilar entre dois extremos: ou se entrega demais com medo de ser rejeitado, ou evita se apegar para não correr o risco de sofrer novamente. Nos dois casos, existe uma tentativa de proteção, mas que acaba nos afastando do que mais desejamos: uma relação genuína, onde possamos ser nós mesmos sem medo. Esse medo muitas vezes não é consciente. Ele aparece em forma de ciúmes, em crises sem motivo aparente, em uma constante sensação de que algo está prestes a dar errado.
Falamos no episódio sobre como a infância pode nos ensinar, ainda que sem palavras, que sentir é perigoso. Quando as nossas emoções não foram validadas, passamos a desacreditar do que sentimos. Isso gera um buraco interno, uma dificuldade de confiar na própria percepção. Como consequência, buscamos no outro uma validação constante, como se precisássemos de alguém para confirmar que o que sentimos é legítimo. O problema é que essa busca nunca se satisfaz. A pessoa pode estar presente, dizer que ama, mas o vazio continua ali, porque a dor original não foi reconhecida nem cuidada.
A autoconexão como caminho de cura
Reconhecer que o abandono emocional do passado ainda opera na nossa vida atual não é uma tarefa fácil, mas é um passo essencial para romper com ciclos que nos aprisionam. Muitas vezes, precisamos desacelerar para escutar o que há dentro de nós: aquela parte que ainda espera ser acolhida, que ainda teme não ser suficiente, que ainda acredita que precisa se moldar para não ser rejeitada. E esse processo não é feito da noite para o dia. Exige coragem para olhar para dentro, para sentir o que foi silenciado, para reaprender a confiar.
Um ponto importante que trouxemos na conversa foi o quanto esse processo de cura passa por uma reconexão com a própria história. Às vezes é preciso voltar à dor para poder transformá-la. E isso não significa reviver tudo com sofrimento, mas reconhecer o que foi vivido e como isso nos moldou. Só assim conseguimos interromper padrões automáticos, criar espaço para novas formas de se relacionar e desenvolver uma autoestima que não dependa da aceitação constante do outro.
O abandono emocional deixa marcas, sim, mas elas não precisam definir o resto da nossa trajetória. A dor que foi causada por ausência pode ser transformada em presença principalmente a nossa. Quando começamos a cuidar das nossas necessidades com carinho, escutando o que sentimos e validando nossas emoções, algo começa a mudar. As relações ficam mais leves, os medos perdem força, e vamos percebendo que não precisamos mais lutar tanto para sermos amados. Porque, aos poucos, começamos a nos amar de verdade.