Ouvir o episódio do podcast nas plataformas:
Explora por que perdemos o hábito de brincar e como recuperar a leveza na rotina
Muita gente chega à fase adulta carregando a certeza de que brincar é perda de tempo. Não faltam vozes na infância que repetem que crescer é abandonar as brincadeiras, guardar os brinquedos e vestir uma postura séria. O problema é que essa ideia vai criando raízes tão profundas que, quando adultos, muitos já nem sabem mais como se permitir uma dose de leveza. Resgatar a criança interior não é um convite à imaturidade, mas sim uma forma de redescobrir partes esquecidas que podem dar mais cor à rotina. Foi um dos pontos que debatemos: como o medo de parecer ridículo ou infantil prende adultos num ciclo de rigidez e cobrança.
A criança interior não desaparece. Ela fica ali, guardada embaixo de camadas de tarefas, responsabilidades e pressões diárias. De vez em quando, dá sinais. Surge numa gargalhada inesperada, num comentário bobo, numa dança improvisada na sala. Mas, rapidamente, a autocrítica entra em cena, lembrando que “isso não é comportamento de adulto”. O resultado é uma vida funcional, mas dura. Gente que trabalha, paga contas, cumpre prazos, mas esquece como é bom rir sem motivo, inventar histórias bobas, fantasiar situações improváveis.
Por Que Perdemos o Hábito de Brincar
Há uma culpa silenciosa em sentir prazer em algo que não gere resultado. A lógica da produtividade, que ocupa cada canto do dia, mata o brincar. Quando fomos educados a valorizar só o que produz lucro ou resultado imediato, toda experiência sem utilidade aparente vira desperdício. E brincar não serve a nada pelo menos não serve a um patrão, a um relatório ou a uma meta. Serve, sim, a quem brinca: alivia a mente, recarrega a criatividade, relaxa o corpo, renova a capacidade de olhar para a vida de forma mais leve.
Falámos muito sobre essa culpa, sobre a sensação de que a leveza não cabe na rotina adulta. E como quebrar isso? O primeiro passo é identificar essas vozes internas que mandam engavetar o brincar. De onde vieram? De uma educação rígida? De uma cultura de trabalho que despreza o lúdico? Reconhecer de onde vem a trava é um jeito de começar a desmontá-la.
Primeiros Passos Para Despertar a Criança Interior
Ninguém precisa largar tudo para virar palhaço de circo. Resgatar a criança interior é abrir espaço, aos poucos, para momentos que não servem para nada além de divertir. É colocar uma música alta em casa e dançar sozinho, rir de piadas bobas, inventar personagens enquanto lava a loiça, criar jogos sem pontuação com amigos. É ter coragem de parecer ridículo, de errar, de improvisar. É, sobretudo, parar de pedir licença para sentir prazer em coisas pequenas.
Uma boa estratégia é observar crianças de verdade. Reparar como brincam, como se envolvem, como esquecem o tempo. Muitas vezes, a inspiração vem desse espelho. O adulto que observa uma criança a brincar pode lembrar-se de quem já foi um dia. E de quem ainda é, mesmo que escondido debaixo da gravata ou do crachá.
Brincar Não é Infantil, É Humano
Destravar o brincar também é um acto de resistência contra a lógica da exaustão. Quem se autoriza a brincar está a dizer que não é máquina. Está a lembrar que a produtividade não é inimiga da leveza pelo contrário, mente descansada cria melhor, resolve problemas com mais clareza e enfrenta crises com mais jogo de cintura. Psicólogos, terapeutas e educadores reforçam essa ideia: brincar na vida adulta é sinal de saúde mental, não de imaturidade.
No fundo, a pergunta certa não é “por que brincar?”, mas “o que acontece quando deixamos de brincar?”. O preço de uma vida séria demais é alto: stress crónico, ansiedade, dificuldade de criar, relações rasas. Por isso, resgatar a criança interior é também um gesto de autocuidado. Um compromisso de não sufocar a parte mais espontânea de quem somos. E cada um faz isso à sua maneira, no seu tempo, sem regras, sem planilhas.
Se brincar te parece estranho hoje, experimenta começar pequeno. Um comentário bobo, uma dança sem coreografia, um jogo improvisado. E, aos poucos, deixa essa criança sair da gaveta. Porque crescer não é deixar de brincar é ter autonomia para brincar quando quiser.