O abandono começa dentro: como lidar com a própria ausência

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Antes de temer o abandono do outro, precisamos reconhecer as vezes em que deixamos a nós mesmos.

O abandono começa dentro: como lidar com a própria ausência

É comum associarmos a ideia de abandono à ausência do outro. Pensamos logo em alguém que vai embora, que nos deixa sozinhos, que se afasta sem aviso. Mas no episódio, uma das reflexões mais potentes foi sobre uma forma de abandono menos visível, mas igualmente dolorosa: o abandono de si mesmo. Esse tipo de ausência não acontece quando alguém nos deixa, mas quando, por medo, hábito ou dor, deixamos de estar presentes para nós. E isso, mais do que qualquer outro movimento externo, afeta profundamente a forma como nos sentimos e nos relacionamos.

Esse abandono interno pode se manifestar de formas sutis, como quando ignoramos os sinais do corpo, quando silenciamos as próprias emoções para manter a harmonia, quando escolhemos o que agrada o outro e esquecemos o que realmente queremos. É um processo que, muitas vezes, aprendemos ainda na infância, quando percebemos que mostrar sentimentos podia não ser seguro, que expressar necessidade podia afastar quem cuidava da gente. Com o tempo, isso vira um padrão. E a gente passa a viver se afastando de si para evitar o abandono do outro.

Os efeitos invisíveis de nos deixarmos de lado

Durante a conversa, surgiram muitos exemplos de como a nossa ausência para nós mesmos vai se tornando rotina. O medo de incomodar, a vontade de agradar, a dificuldade de impor limites. Em nome da aceitação, começamos a nos moldar. Deixamos de dizer o que sentimos, engolimos desconfortos, deixamos o outro sempre em primeiro plano. E aos poucos, perdemos a referência do que nos faz bem. Quando isso acontece, mesmo rodeados de afeto, sentimos um vazio difícil de nomear. Um cansaço que não passa. Uma sensação de não pertencimento nem mesmo dentro da própria vida.

Esse afastamento de si pode gerar relações desequilibradas. Como não estamos presentes para o que sentimos, esperamos que o outro preencha esse espaço. Criamos expectativas que o outro não consegue cumprir. E quando ele não nos entrega aquilo que nem nós sabemos nomear, nos sentimos rejeitados. Mas, na verdade, o que dói é que já estávamos nos sentindo sós mesmo antes do outro falhar. A ausência que dói não é só a do outro, é também a nossa. E é por isso que, muitas vezes, o abandono mais profundo é silencioso e interno.

No episódio, falamos também sobre como esse abandono de si tem impactos diretos na nossa autoestima. Quando nos abandonamos, deixamos de confiar nas nossas percepções, nas nossas escolhas, nos nossos sentimentos. Passamos a duvidar de tudo o que vem de dentro. Isso nos torna vulneráveis a padrões de validação externa. Ficamos à mercê do que os outros acham, sentem ou desejam. E isso é perigoso, porque a cada escolha feita para ser aceito, nos afastamos mais da nossa verdade.

Reconstruir a presença: o caminho de volta para si

Mas essa desconexão não é definitiva. Assim como aprendemos a nos abandonar, também podemos reaprender a estar presentes. E esse processo começa no silêncio. No desacelerar para escutar o que está vivo dentro da gente. Nem sempre é bonito. Às vezes o que encontramos é dor, ressentimento, cansaço. Mas é só quando olhamos para isso com cuidado que conseguimos recuperar o contato com quem somos. Estar presente para si é um ato de coragem, porque exige que a gente se responsabilize pelo próprio bem-estar, sem colocar essa tarefa exclusivamente nas mãos do outro.

Resgatar a própria presença significa voltar a habitar o corpo, reconhecer as emoções, validar os desejos. Significa parar de pedir ao outro o que só nós podemos nos dar: atenção, cuidado, respeito. Isso não quer dizer se fechar, mas sim se encontrar antes de buscar o encontro com o outro. Quando estamos minimamente conectados com o que sentimos, criamos relações mais honestas. O medo de ser deixado diminui, porque já não estamos nos deixando. E a leveza começa a surgir, não porque tudo está resolvido, mas porque estamos, finalmente, presentes.

É a presença que nos ancora. Não é sobre ter todas as respostas, nem viver sem medo. É sobre saber que, mesmo quando o mundo desaba, estamos ali por nós. Que não vamos nos abandonar. E isso, mais do que qualquer vínculo externo, é o que constrói segurança emocional. Porque o abandono do outro pode até machucar, mas quando estamos presentes para nós mesmos, essa dor não vira destruição. Ela vira travessia.

Sim, o abandono começa dentro. Mas é dentro também que começa o reencontro.

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