Ficar no incômodo é difícil, mas fugir dele complica mais
Quando algo não está bem, o primeiro impulso é querer sair logo do desconforto. Resolver rápido, dar um jeito, voltar ao controle. Se isso não é possível, o impulso seguinte costuma ser o de reclamar. A gente começa a se contar histórias em que o mundo está contra nós, o trabalho não colabora, as pessoas não ajudam, e tudo parece injusto. É fácil escorregar para o papel de vítima quando o incômodo é constante. Mas existe um outro caminho, mais trabalhoso, porém muito mais transformador: sustentar o desconforto sem fugir e sem culpar. Ficar com ele por um tempo. Só sentir. E isso exige mais maturidade do que parece.
No episódio, essa diferença ficou muito clara. Não se trata de normalizar sofrimento nem de romantizar dor. Mas sim de perceber que nem todo incômodo precisa ser resolvido no impulso. E que é possível atravessar esse momento de desencaixe com dignidade emocional. Isso não quer dizer ficar feliz com o que incomoda, nem fingir que está tudo bem. Quer dizer apenas não terceirizar a responsabilidade da sua dor. E, ao mesmo tempo, não transformar o desalinho em identidade. O desconforto pode ser acolhido, sem que ele se torne a sua narrativa principal.
O risco de se prender no papel de vítima
Quando a gente começa a se repetir frases como “nada dá certo”, “ninguém me entende”, “tudo está contra mim”, corre o risco de transformar um incômodo pontual numa lente que distorce o mundo inteiro. E a consequência disso é um isolamento emocional. Você se afasta da realidade e começa a se identificar com a dor. Ela passa a te definir. E o que era só um ponto fora do lugar vira um mapa inteiro redesenhado com base na frustração.
Isso é compreensível, principalmente em momentos em que estamos vulneráveis. Mas é também perigoso. Porque quando nos colocamos como vítimas, abrimos mão da autoria da nossa própria história. E o que o desencaixe pede, no fundo, não é um culpado. É consciência. É atenção. É alguém que pare e diga: tem algo aqui que não está alinhado comigo, e eu vou olhar para isso, sem dramatizar, mas também sem ignorar.
Ficar no desconforto é treino, não talento
Ninguém nasce sabendo lidar com o incômodo emocional. Sustentar o desalinho é uma habilidade que se constrói com o tempo, com a escuta, com a terapia, com os silêncios. E quanto mais a gente exercita esse espaço interno onde é possível sentir sem fugir, mais preparados estamos para enfrentar as instabilidades da vida. Porque o desconforto sempre vai existir. Ele faz parte do processo de mudança, de amadurecimento, de realinhamento.
A diferença está em como lidamos com ele. Se fugimos, ele cresce. Se projetamos nos outros, ele volta. Mas se paramos, escutamos e reconhecemos, mesmo sem entender tudo, ele se acomoda. E, aos poucos, revela o que precisa ser feito. Ficar no desconforto sem se afundar nele é uma das formas mais sinceras de cuidado com a própria saúde mental.