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Aprenda a conversar sobre limites e abrir espaço para relações mais saudáveis
Falar o que pensamos pode parecer simples, mas não é. Dizer para alguém algo que pode incomodar, corrigir ou mexer num ponto sensível é uma das partes mais difíceis de qualquer relação, seja amizade, família, trabalho ou amor. E ouvir uma crítica ou um pedido de mudança, então? Para muita gente, é quase insuportável. A verdade é que dar e receber feedback é um dos maiores testes de maturidade emocional que podemos enfrentar. Quem sabe fazer isso com cuidado, escuta aberta e sinceridade acaba criando laços que duram mais e desgastam menos.
A maioria das conversas difíceis é adiada porque ninguém quer carregar o peso de parecer duro ou ingrato. Mas o silêncio também cobra um preço alto. Engolir uma mágoa pequena hoje quase sempre vira uma frustração maior amanhã. Um amigo que sempre fala de si e nunca pergunta nada pode, sem perceber, ir afastando as pessoas à sua volta. Se ninguém diz nada, a relação segue, mas vira um espaço de incômodo. E, aos poucos, quem antes tinha vontade de falar vai se calando, até que sobra só um lado na conversa. E não existe relação saudável assim.
O medo de dizer e o medo de ouvir
Uma das maiores armadilhas em qualquer vínculo é acreditar que o outro deveria adivinhar o que incomoda. Esperar que a pessoa perceba sozinha que está falando demais, interrompendo demais, ou ignorando o que você sente, é uma receita quase certa para a frustração. Falar o que pesa é uma forma de cuidado. É dizer: eu gosto tanto de estar aqui, que quero que isso funcione melhor. Só que, para isso, é preciso coragem. Coragem de encarar o desconforto, de correr o risco de ser mal interpretado, de saber que pode não sair perfeito na primeira tentativa.
E o outro lado não é mais fácil. Receber um feedback sincero, principalmente vindo de quem gostamos, é quase sempre um susto. Às vezes, dói mais porque vem de quem importa. O impulso imediato é se defender, rebater, provar que não é bem assim. Mas quando a defesa fala mais alto do que a escuta, a conversa não avança. Fica um jogo de quem tem razão. E o que era para ser um acerto de rota vira briga ou silêncio.
Feedback não é ataque
Uma das coisas mais importantes sobre dar feedback é entender que ele não é um ataque pessoal. É um convite para o outro olhar para um ponto cego. E todo mundo tem pontos cegos. Quem fala demais quase sempre não percebe que está deixando pouco espaço para o outro existir. Quem interrompe sem parar pode achar que está ajudando, participando, quando na verdade está só atropelando. Quando alguém cria coragem para dizer isso, está oferecendo um presente disfarçado de incômodo. Está dizendo: eu confio em você para melhorar isso.
Por isso, a forma de dizer faz toda diferença. Um feedback não precisa vir em tom de acusação. Ele pode vir na forma de um pedido, de uma partilha de como aquilo faz você se sentir. Pode vir de forma honesta, mas sem humilhar. E, se possível, em particular. Nada é mais cruel do que expor alguém diante de outras pessoas. Quando um incômodo é tratado a sós, a chance de ser ouvido aumenta. O outro se sente seguro para não reagir por vergonha, mas sim para refletir de verdade.
Como pedir espaço sem brigar
Quem já tentou falar para um amigo que ele só fala dele mesmo sabe que não existe frase mágica. Mas existem caminhos. Um deles é começar mostrando que não se trata de uma disputa de razão, mas de um desejo de equilíbrio. Dizer como aquilo pesa, como faz falta sentir que também existe espaço para falar. Perguntar: você percebe isso também? Isso abre uma porta para o outro se enxergar sem sentir que está sendo colocado contra a parede.
Outra estratégia é criar sinais combinados. Em amizades ou grupos, isso pode ser até divertido. Um toque no braço, um olhar, uma palavra que funcione como alerta de “olha, você está ocupando todo o palco de novo”. Em círculos onde há confiança, isso vira quase uma piada interna, mas funciona. Lembra a todos que existe um combinado de respeito mútuo. E muitas vezes é só disso que alguém que fala demais precisa: de um lembrete gentil.
Saber ouvir é metade do caminho
Para quem recebe o feedback, o maior exercício é calar a defesa. É respirar fundo e, antes de rebater, tentar ouvir até o fim. Pode doer na hora, pode até gerar raiva, mas é ali que mora o ponto de virada. Se existe confiança, é porque existe vínculo. E vínculo se cuida ouvindo o que, sozinho, talvez não se enxergasse. Se dói, é porque faz sentido em algum lugar. E não precisa mudar tudo de uma vez. É processo.
Muita gente só entende o valor disso depois que perde. Quando o outro para de tentar, para de falar, se afasta. E aí é tarde para perceber que uma conversa difícil lá atrás teria evitado o afastamento de hoje. Por isso, ter alguém que encara essa conversa é sorte mesmo que doa.
Troca que fortalece
No fundo, o ato de dar e receber feedback é, mais do que tudo, uma forma de manter viva a troca. Relações saudáveis não se constroem só de momentos leves. Se manter próximo de alguém é aceitar o desconforto do ajuste, é saber que de vez em quando vamos pisar no calo de quem está ao lado. E também que vamos errar, falar demais, interromper, esquecer de perguntar, falhar. E está tudo bem, desde que exista espaço para voltar, olhar e dizer: posso fazer diferente?
Quando isso existe, os vínculos se tornam mais fortes. O cuidado vira parte da rotina. E a fala volta a ser ponte, não muro. Falar com franqueza, ouvir com coragem, refazer o que não funciona. É assim que se constrói o tipo de conversa que vale a pena ter. E o tipo de relação que vale a pena guardar.
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