Ouvir o episódio do podcast nas plataformas:
Como o medo de não ser visto se esconde em quem monopoliza conversas
É curioso perceber como, muitas vezes, a insegurança não aparece como timidez, mas como excesso. Nem sempre quem fala alto, ocupa todos os espaços e monopoliza as conversas é a pessoa mais segura da sala. Na verdade, em muitos casos, é o oposto. Falar demais sobre si, interromper o outro, puxar toda história para o próprio umbigo, pode ser um disfarce para algo que nem sempre é fácil de admitir: o medo de não ter valor se não estiver em evidência.
No dia a dia, isso passa despercebido. Quem observa de fora pode até pensar que quem fala sem parar é confiante, carismático, expansivo. E, de fato, pode ser. Mas, por trás dessa postura, mora muitas vezes uma ansiedade profunda de perder espaço, de não ter relevância, de não saber quem é quando não tem uma história para contar. É uma forma de garantir o controle. Enquanto a conversa gira em torno de si, não há surpresas, não há perguntas que toquem onde dói, não há silêncio que exponha um vazio.
O medo de ficar invisível
A maior parte das pessoas não percebe que vive esse medo. É mais fácil acreditar que está tudo bem, que falar muito é apenas uma característica. Mas, quando alguém aponta ou quando o silêncio dos outros se acumula, surge a primeira pista de que algo ali pode não estar equilibrado. Em grupos, esse padrão é ainda mais visível. A roda de amigos vira palco, e quem tem medo de ficar invisível faz de tudo para não sair do centro.
É uma forma de controlar também o desconforto interno. Quem fala muito sobre trabalho, sobre conquistas, sobre viagens, muitas vezes está tentando reforçar, para si mesmo, uma ideia de valor. É como se cada história fosse uma prova de que se é interessante, digno de atenção, digno de estar ali. O problema é que, na prática, esse esforço produz o efeito contrário: em vez de aproximar, afasta. Aos poucos, quem ouve se cansa, sente-se pequeno, percebe que não há espaço para existir naquela relação.
O silêncio como ameaça
Para quem se sente inseguro, o silêncio pode ser quase insuportável. É nele que mora tudo o que não se controla. É na pausa que a verdade aparece, que o outro pode fazer uma pergunta desconfortável, que surge o risco de alguém perceber que por trás da fala existe medo. Então, preenche-se tudo com palavras. Não há tempo para o outro respirar, não há intervalo para surgir uma pergunta inesperada.
É por isso que, muitas vezes, quem fala muito sobre dinheiro, por exemplo, pode estar tentando compensar um medo de ser julgado. Quem só fala sobre o parceiro perfeito pode estar tentando esconder as falhas de uma relação real que dá medo de enfrentar. Quem sempre aponta histórias de sucesso pode estar a um passo de se sentir pequeno se não contar tudo. A insegurança se protege inventando enredos onde tudo é controlado e a conversa nunca sai do script conhecido.
Autoconhecimento para quebrar o ciclo
Falar muito de si não é um crime, mas se torna um fardo quando é a única forma de existir. O autoconhecimento entra aqui como chave para quebrar o padrão. É preciso coragem para perceber: por que sinto tanta urgência de falar? O que me assusta tanto em ficar em silêncio? O que eu temo que o outro descubra se eu parar de falar?
Perguntas assim são desconfortáveis, mas libertadoras. Permitem ver que, por trás do impulso de falar, existe uma necessidade legítima de ser visto, aceito, validado. E que há formas mais saudáveis de receber isso. Escutar mais. Perguntar mais. Ficar em silêncio de propósito. Praticar estar em grupo sem precisar ser o centro. São exercícios que não vêm naturalmente para quem cresceu acreditando que precisava gritar para existir.
Relações mais leves começam pelo equilíbrio
Quando alguém percebe que não precisa ocupar todo o espaço, algo se abre. As conversas se tornam mais leves. O outro se sente à vontade para falar também. Os silêncios deixam de ser ameaças e passam a ser respiros. O vínculo se aprofunda porque deixa de ser um palco e vira troca. E, aos poucos, quem antes falava tanto descobre que é muito bom, também, ser ouvido de volta.
Para quem convive com alguém assim, o acolhimento pode ajudar mais do que o confronto direto. Sinalizar, de forma gentil, que existe espaço para pausa, que o outro não precisa provar nada o tempo todo, que está tudo bem não saber o que dizer. Perguntar mais do que apontar. Ouvir com paciência quando o medo surgir em forma de fala ininterrupta. Porque mudar esse padrão leva tempo, mas se torna possível quando há confiança de que, mesmo em silêncio, ainda se é visto.
O valor de ser, mesmo calado
No fim, o medo de não ser visto é comum a todos nós. Alguns aprendem a esconder isso atrás de máscaras barulhentas. Outros se recolhem e evitam falar. A saída, para qualquer lado do espectro, é entender que o valor de uma pessoa não está na quantidade de histórias que conta, mas na qualidade do que constrói com o outro. E que, na maioria das vezes, o vínculo mais forte nasce quando duas pessoas encontram coragem para ficar quietas juntas e ainda assim se sentem importantes.